domingo, 24 de julho de 2011

Relatos de Casos Atendidos pela CAVVID

No caso número 1 relatado a seguir, trata-se de um típico tratamento discriminatório em virtude do quesito étnico racial. A CAVVID adotou diversas providências, dentre elas a assistência psicológica, foi enviado convite para que o autor da agressão viesse ao serviço dialogar sobre o problema. A CAVVID ainda fez um registro da dificuldade que muitas autoridades policiais ainda tem quando se trata de fazer registro de uma ocorrência com caráter de discriminação racial. Vejamos o relato:
“Uma munícipe compareceu ao serviço da CAVVID a fim de buscar apoio e orientação quanto a um bilhete que recebeu de seu antigo empregador que continha os valores rescisórios de sua prestação de serviço no qual a identificava como “negra“ e não pelo nome. O que lhe chamou mais atenção e que lhe causou estranheza é que no mesmo bilhete continha o nome correto de sua amiga de cor clara e ela sendo referida pela sua raça. Achou o bilhete ofensivo e considerou tal ação preconceituosa.
Na ocasião do atendimento psicossocial mantinha em mãos a prova material e encontrava-se bastante fragilizada. Demonstrando constrangimento e sentimentos de indignação.
Diante dos fatos relatados foram dadas as orientações necessárias para abertura do processo criminal e por danos morais e o envio de carta convite para que o suposto agressor comparecesse ao serviço para ser ouvido e sensibilizado quanto as práticas discriminatórias e suas consequências. Além disso, foi ofertado a mesma atendimento psicológico a fim de ser trabalhada sua autoestima.

Vale destacar que apesar da discriminação racial ser um crime, ainda é muito recorrente nas delegacias a omissão de agentes policiais em registrar o ato infracional, fato que ocorreu com a munícipe.  Somente após insistência da usuária é que o caso foi registrado”.

No caso número 2, os servidores que atuam na CAVVID registram um conflito familiar. Como de praxe buscam o diálogo com autor da agressão ao mesmo tempo que apoiam a mulher vítima dando assistência possível sob o ponto vista jurídica, assistencial e psicológico. Destaca-se ainda a tentativa de utilização do serviço de mediação de conflitos, também existente na Secretaria de cidadania e direitos humanos de Vitória (SEMCID) como forma de buscar uma solução pacífico para resolver o problema. Em seguida o caso conforme descrito:

“A Srª X. é casada a 11 anos, tem dois filhos deste relacionamento e mora em cima da casa da sogra. O que a trouxe a CAVVID foi uma discussão com o irmão do marido dela. Afirma que nunca teve um bom relacionamento com o cunhado, mas que na última discussão ambos se agrediram verbalmente, na qual ele fez referência ao fato dela ser negra e ela fez menção a orientação sexual dele. A usuária afirma que, para ela, a briga tinha acabado por ali, mas o cunhado tem ligado para ela e para a mãe dele, sogra da Srª X., fazendo ameaças diversas, caso ela não se mude da casa da mãe.

A Srª X. afirma que tem um ótimo relacionamento com o marido assim como com a sogra. Seu desejo é se entender com o cunhado para poder voltar a viver harmoniosamente em casa.

Dessa forma, foi enviada uma carta convite ao cunhado da Srª X. para uma conversa de orientação das questões legais referentes às ofensas proferidas a Srª X. e saber sobre a possibilidade de uma Mediação de Conflitos entre as partes para uma resolução pacifica do conflito”.

O número 3 refere-se a uma mulher encaminhada pela Delegacia de Mulheres que descreve as inúmeras violências sentidas na relação com o companheiro, porém em um determinado momento manda arquivar o processo e se reconcilia com ele. Após este processo de reconciliação ele volta a agredi-la. Ela procura a Delegacia de Mulheres novamente e devidamente acompanhada pela CAVVID obtém medida protetiva que impõe afastamento de seu companheiro do lar. Descreve-se a seguir o caso:
“A Senhora V. L., 43 anos foi atendida no CAVVID inicialmente em 2008. ela veio encaminhada pela DEAM. Convive em regime de união estável há 11anos com um senhor de 39 anos.
Relatou que o companheiro saiu de casa às 6h e 30 minutos, retornou às 22h alcoolizado. Já chegou a acusando de traição e sem que a referida senhora pudesse responder ele começou a agredi-la com socos e chutes e pegou um facão para matá-la, mas foi impedido por vizinhos. Além disso, ele quebrou e pôs na rua vários móveis que estavam na casa do casal e também expulsou a referida senhora de casa, jogando suas roupas pela escadaria e falou que se ela retornasse ele iria matá-la. Ela foi socorrida por vizinhos e passou a noite na casa deles. No dia seguinte foi para a casa de 01 filho.
Ela relata que ele sempre foi muito agressivo; que a agride há bastante tempo, mas esta é a primeira vez que o denunciou á polícia.
Ela chorava muito, parecia estar muito nervosa, tinha vários hematomas pelo corpo e tinha no rosto um pano com gelo para diminuir o inchaço causado pelas agressões.
Foi agendado retorno para acompanhamento psicossocial, mas ela não compareceu. Mesmo diante de tanta gravidade, arquivou o processo e se reconciliou com o companheiro.
Em julho de 2011 ela retornou, encaminhada pela DEAM, com a mesma queixa. Relatou que logo após a reconciliação o companheiro voltou a agredi-la com frequência, não permite que ela visite os filhos ou parentes, não deixa ela sair de casa e a acusa de traição. A última briga ocorreu porque ela foi visitar familiares e passou o dia fora de casa. Ele mais uma vez a ofendeu com acusações, xingamentos, ofensas morais e foi impedido pelos vizinhos de agredi-la. Ela dormiu fora e no outro dia foi a DEAM fazer a denúncia. Quando o companheiro ficou sabendo que ela tinha registrado a ocorrência ele fugiu para o interior do estado. O processo está tramitando na 11ª Vara criminal, foi determinado como medida protetiva o afastamento dele de casa e ela continua em atendimento social na CAVVID”.
O caso número 4 é mais um caso encaminhado pela Delegacia da Mulher que é também um dos caminhos possíveis para que as mulheres apresentarem suas denúncias. Como existe uma rede de atendimento. Vejamos o caso:
“M compareceu a CAVVID na data de 10/11/08 encaminhada da Delegacia Especializada no Atendimento á Mulher, onde registro boletim de ocorrência contra J, em razão de Violência Doméstica, porém não representou nem requereu as medidas protetivas, pois estava indecisa.
M, 55 anos, viúva, natural de Vitória, iletrada, genitora de 03 filhos adultos, reside em uma casa própria, trabalhava formalmente como auxiliar de serviços gerais em um condomínio até sofrer um acidente no percurso de seu trabalho (foi atropelada e bateu fortemente com cabeça) a partir daí aposentou-se por invalidez com renda de R$ 550,00 e passou a gozar de isenção de passagem no transporte coletivo municipal. Em razão do acidente relata que faz acompanhamento com neurologista associado ao uso de medicação - sente fortes dores de cabeça e tonteiras caracterizando um perigo iminente em situações de travessias em vias muito movimentadas.
M relata que logo que conheceu J começaram a namorar e não demorou muito para permitir que ele fosse residir em sua casa, contra a vontade de seus filhos. Conviviam há dois anos, antes de ocorrer o conflito. M informou que J é nervoso, não faz o acompanhamento com neurologista, também não faz uso adequado da medicação. Noticia que ao retornar a casa, de um passeio com as irmãs da igreja na qual congregava J procedeu acusando-a de fazer uso de substâncias psicoativas e manter relações sexuais com outros homens, além das ofensas caluniosas, M contou que J proferia ameaças de morte e xingamentos de cunho depreciativos ofensivos á sua moral, acrescido da prática de injúria racial, chamando-a  de NEGRA. Após o conflito, J retirou-se da casa de M e logo iniciou outro relacionamento.
Baseado no relato de M, depreendeu-se que apesar da revolta e sofrimento emocional em razão da violência domestica e da injúria racial, a indecisão de representar contra J permanece, principalmente pelo fato de M nutrir sentimento afetivo por J. ”
Encaminhamentos:
·     M foi informada sobre o acompanhamento psicossocial, social e psicológico ofertado pela CAVVID, bem como as orientações, informações jurídicas e acompanhamento dos processos pelos estagiários;
·     A munícipe foi estimulada a refletir sobre os fatores que motivaram o conflito;
·     Agendamento de Retorno Social para continuidade dos atendimentos;
·     Envio da Carta Convite à J para comparecer à CAVVID.

Atendimento à J:
J, 35 anos, solteiro, branco, natural de Vitoria, genitor de 03 filhas, trabalha informalmente como ajudante de pedreiro coincidentemente também sofreu um acidente no ano de 1999, no qual relata ter batido com a cabeça fortemente em um poste, em razão desse episódio, ficou internado no HPM por 30 dias e teve traumatismo craniano. Informou que o neurologista prescreveu medicação controlada, porém fez uso apenas por um ano sob alegação de dificuldades financeiras e burocracia para aquisição dos medicamentos por intermédio do SUS. Nesse contexto, o tratamento foi interrompido acarretando conseqüências para no âmbito social e profissional: não suporta ouvi rádio, televisão, barulho em geral, pois lhe causa irritação. Afirmou também que tem três filhas, porém não soube informar os nomes completos de ambas, pois desde que sofreu o acidente, as falhas de memória são frequentes.
J relatou que se retratou e reatou o relacionamento por medo de ser preso, em razão do registro de ocorrência. Na oportunidade J negou as ofensas alegadas por M.
Inicialmente o senhor J iniciou seu relato demonstrando muita apreensão e nervosismo, não soube informar o nome das próprias filhas. No decorrer do atendimento, percebeu-se aparentemente que sua memória ficou comprometida em consequência do acidente, fato que deve ter sido agravado pelo fato de ele ter deixado de fazer uso regular da medicação prescrita. Pareceu verídica sua fala no tocante ao motivo que a fez reatar o relacionamento: medo.”
Encaminhamentos:
·      J foi informada sobre o acompanhamento psicossocial, social e psicólogico ofertado pela CAVVID;
·      J foi estimulado a refletir sobre os fatores que motivaram o conflito;
·      J Foi orientado a procurar a Unidade de Saúde para marcar consulta com Neurologista, com o objetivo de voltar a fazer uso da medicação;
·      Foi solicitado a J  que trouxesse no próximo atendimento cópia do laudo médico atestando traumatismo craniano que ele afirmou ter em seu poder;
·      Agendamento de Retorno para Atendimento Social para o dia 05/01/09.

O acompanhamento social ás partes continuaram, ambas não demonstram interesse pelo acompanhamento psicólogico.
Desfecho do caso, M e J finalizaram o relacionamento, sendo que M não Representou Criminalmente em desfavor de J. O interesse na Representação na ocasião era motivado também pela revolta que M nutriu por J após ele iniciar outro relacionamento afetivo”.

Algumas reflexões finais e provisórias
Imagina-se que de uma certa forma as questões relatadas a partir do contexto de Vitória não sejam muito diferente do país. Desta forma considera-se que a divulgação da lei Maria da Penha é um instrumento fundamental para a redução da violência contra as mulheres. Afinal a lei estimula a busca de uma rede de atendimento que passa por delegacias de policias, por serviços como a CAVVID, por serviços como o SAVV – Serviço de Assistência a Vítimas de Violência da Secretaria de Saúde de vitória, dentre outras possibilidades.
Um outro desafio que temos para enfrentar esta dura realidade talvez seja reivindicar a ampliação do número de distritos policiais , delegacias de mulheres que possam atender a estas demandas. Mas naturalmente não é necessário apenas ter a delegacia. É necessário que se tenham pessoas qualificadas e sensíveis para o tratamento da questão e estruturadas adequadas para atendimento as vítimas.
Destaco ainda a relevância de ampliarmos os serviços de atendimento ao autor de agressão. Eles merecem ser acompanhados, posto que continuam pessoas detentoras de direitos e que enquanto membro da sociedade precisa ser resgatado para o convívio social. E isto não se dará adequadamente se estas pessoas não passarem por um processo de acompanhamento que lhes dê uma nova chance, um novo alento para uma vida sem violência e em paz.

Referências:
BRASIL. II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Brasília:SPM, 2008.
BRASIL. Lei Maria da Penha. Lei nº 11.340. Brasília:SPM,2006.
VITÓRIA.  Decreto nº 14.834. Estabelece a forma de organização e regulamenta o funcionamento das unidades administrativas da Secretaria de cidadania e direitos humanos, e dá outras providências. Vitória-ES:SEMCID, 2010.
VITORIA.Relatos dos acolhimentos de vítimas de violência. Vitória-ES:SEMCID,2011. (via email)

Nenhum comentário:

Postar um comentário