domingo, 24 de julho de 2011

Entrevistas com Mulheres Militantes

Tendo em vista a temática do nosso curso, consideramos importante ouvir simbolicamente duas mulheres militantes, uma branca e uma negra sobre a temática que ora estudamos, refletimos, escrevemos.
A primeira pequena entrevista é com Gilsa Helena Barcellos, Prof. Drª – militante do Movimento de Mulheres.

A segunda entrevista com Valdeni Andrelino – militante do Movimento Negro e do Movimento de Mulheres e neste momento Coordenadora de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da Gerência de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – Secretaria Municipal de Cidadania e Direitos Humanos –Vitória - ES.

Desta forma em seguida, reproduzimos na íntegra, as entrevistas das mulheres acima citadas e ao final apresentaremos alguns comentários as problemáticas trazidas pelas entrevistas.

Entrevista com a Sra. Gilsa Helena Barcellos:

1. Qual o seu nome? Gilsa Helena Barcellos.
2. Qual a função que você desempenha? Professora.

3. Atua em movimento de mulheres?
Sim.

4. Se a resposta for sim, por gentileza fale sobre esta militância.

Participo do Fórum de Mulheres do Espírito Santo desde a sua criação em 1992 e acompanho o processo de organização da Comissão de Mulheres Indígenas Tupiniquim e Guarani desde 2007, quando a comissão foi criada.

O Fórum de Mulheres conta com a participação de diversos movimentos sociais e/ou feministas de mulheres: MST, indígenas, quilombolas, sindicalistas, feministas autônomas, MMC, movimentos populares de mulheres, lésbicas, negras entre outros.


5. Você já foi vítima de alguma violência de gênero com recorte étnico racial? Se a resposta for sim, por gentileza descreva estas violências e as providências que você adotou.Não sofri violência de gênero com recorte étnico-racial, não, porque sou branca, no entanto, conheço diversas mulheres negras e indígenas, companheiras de luta, que já foram vítimas de preconceito por serem mulheres e por serem negras ou indígenas.

6. Quais são os casos que você conhece em seu município que você considera como de discriminação étnico racial com as mulheres?Em Vitória, eu diria que existem muitas situações que caracterizam a discriminação étnico-racial contra mulheres. Uma delas diz respeito ao fato de que a maioria das trabalhadoras domésticas são negras e não têm os seus direitos sociais/trabalhistas garantidos. São mulheres, que por terem a sua força de trabalho menos valorizadas, precisam trabalhar mais do que outras mulheres, por conseguinte, estão mais sobrecarregadas, têm menos tempo para cuidar dos seus filhos e adoecem com mais facilidade. Neste caso, articulam-se aos recortes de gênero e de raça o de classe social. Ou seja, mulheres negras e pobres são aquelas que estão na base da pirâmide salarial brasileira, revelando como essas categorias se articulam ferozmente e tornam a mulher negra e pobre ainda mais subordinada nas relações sociais de gênero do que as mulheres brancas e ricas.

Entrevista com a Sra. Valdeni Andrelino:

1. Qual o seu nome? Qual a função que você desempenha?
Sou Valdeni Andrelino, sou mãe e uma aguerrida mulher negra. Sou Pedagoga formada pela UFES e pós-graduada em Gestão Comunitária, também pela UFES. Professora de séries iniciais em Nova Venécia, cedida a PMV desde novembro de 2006. Estou hoje como Coordenadora de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da Gerência de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – Secretaria Municipal de Cidadania e Direitos Humanos (SEMCID/PMV).

2. Você já foi vítima de alguma violência de gênero com recorte étnico racial? Se a resposta for sim, por gentileza descreva estas violências e as providências que você adotou? E, quais são os casos que você conhece em um município que você considera como de discriminação étnico racial com as mulheres?
Por compreender que a violência e a discriminação racial são ações intrínsecas. Relatarei o caso da Cerveja Devassa, a violência foi atribuída a todas as mulheres negras que estão na diáspora. Porém considero que por questões de pertencimento, atitude e indignação, fiz a opção por não aceitar a violência calada, pois não seria possível que nós mulheres negras víssemos uma propaganda e não sentíssemos na pele toda a dor que nossas ancestrais passaram de África ate os dias atuais.

A propaganda (em anexo) foi publicada na revista AG do jornal A Gazeta nos dias 28/11/10 e 05/12/10 e dizia: “É pelo corpo que se reconhece a verdadeira negra” e trazia uma imagem de uma mulher negra de forma provocante. Perguntei-me se esta era a imagem que a sociedade possui de nós mulheres negras, chefes de famílias (o meu caso) professoras, domésticas, gestoras, advogadas, mães, enfim cidadãs deste país.

Imaginei, sou uma mulher negra e mãe de um adolescente, esta imagem que estamos construindo na nossa história? Confesso que me senti muito agredida, acredito que fui vítima de violência, porém não bastava apenas me indignar, assim percebi que conversar apenas não resolveria, quando recordei que no ano anterior, vi que uma propaganda de uma loja de departamento havia sido alvo do PROCON, pensei que a propaganda caberia no mesmo artigo e fiz a denúncia ao órgão. Confesso que não foi fácil este momento, porém tem um momento que você precisa lembrar de sua historia pessoal, de onde você veio, quais caminhos trilhou e nesta hora eu teria que dar uma resposta não apenas para mim, e sim para todas as mulheres negras deste país, que são silenciadas no seu dia a dia, que não tiveram as mesmas oportunidades que tive. Confesso que neste momento, precisei retirar de mim a condição de gestora e agir antes com a minha condição de mulher negra que possui um espírito militante em sua fala e principalmente procura ser coerente no seu dia a dia.

A referida propaganda tinha como alvo todas as mulheres negras, desde Rainha Nzinga, minha mãe, avó, tia, ela desqualificava todas nós. Fiz a denúncia ao PROCON municipal de Vitoria no dia 09/12/10, seis empresas foram autuadas. Acredito que fiz o que deveria ser feito, creio que neste país, os racistas só sentem quando são penalizados financeiramente. A partir deste momento juntei-me a outras duas mulheres negras que também como eu se indignaram, de pertencimento e perfil aguerrido, contratamos um advogado e movemos uma ação cívil indenizatória. Além disso, denunciamos na Comissão de Direitos Humanos da OAB, Delegacia de Defesa do Consumidor, PROCON Estadual, Ministério Público e jogamos nas redes sociais.
Acredito que esta é uma luta da comunidade negra brasileira, em especial das mulheres negras que solidariamente juntaram-se a nós.

Em relação a outros casos de discriminação racial, diria que nascer mulher negra neste país, é afirmar-se diariamente. É não esquecer do seu pertencimento e perceber que cotidianamente somos alvos de situações discriminatórias.

A loja da rede de um hipermercado localizada em Vitória foi condenada a pagar uma indenização de 148 mil reais a uma ex-funcionária, a moça era chamada de “macaca” e “lesma“ pelo sistema de som do estabelecimento, isso ocorreu em 2006. Este foi apenas mais um caso de discriminação racial acontecido em estabelecimentos comerciais brasileiros.



Comentando as entrevistas:

Dentre as questões relevantes trazidas pela Profª Gilsa, na primeira entrevista, destaco a questão da mulher trabalhadora doméstica. Afinal em Pesquisa realizada recentemente pelo IBGE, tendo como referência 6 regiões metropolitanas constatou-se a existência de hum milhão e seiscentos mil trabalhadores(as) domésticas(os). Esta pesquisa aponta que 94,3% das pessoas que trabalham neste tipo de serviço são mulheres e que 61,8% deste total são mulheres pretas ou pardas.

Na segunda entrevista o destaque encontra-se na ação cidadã da militante que vai em busca dos seus direitos. Não só apresenta pautas políticas aos diversos níveis de governo, mas reivindica no campo jurídico legal a reparação de seus direitos. No caso em tela, frente a uma propaganda que considerou violenta e ofensiva a mulher negra, ela juntamente com outras pessoas, ingressou no PROCON, acionou o Ministério Público a Ordem dos Advogados do Brasil. Além da entrevista, ela nos informou tem conseguido ganho de causa em primeira instância no PROCON MUNICIPAL DE VITÓRIA.

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